Há quem passe todos os dias por ela e nem perceba. Medindo quatro metros de altura o mural pintado a óleo, do artista Aurélio de Figueiredo sob o título "O primeiro capítulo da nossa História", foi instalado ali em 1925, ano que antecedeu a inauguração do palácio. A obra monumental retrata o momento em que o fidalgo português Pero Vaz de Caminha que se notabilizou escrivão da armada de Pedro Álvares Cabral lê a carta para o navegador que está ao lado do Frei Henrique Soares de Coimbra.

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Desde então, a pintura foi restaurada por uma equipe técnica da Escola Nacional de Belas Artes, em 2003, o que justifica seu bom estado de conservação. O relato feito ao rei de Portugal Dom Manuel I (1469-1521) comunica o descobrimento das novas terras, que viriam a ser chamar Ilha de Vera Cruz; Terra de Santa Cruz e por fim, Brasil.

Conhecido como o primeiro documento oficial escrito sobre o Brasil, depois da chegada dos portugueses às terras aqui encontradas, o texto de Caminha é considerado por outros como "a primeira crônica de viagem". A verdade é que, carta ou crônica, ambas registraram as primeiras impressões do que aqui foi encontrado: o território, sua geografia, o clima, a fauna, flora, os índios e seus hábitos.

No mural, Pedro Álvares Cabral está sentado num pequeno banco de madeira de vários assentos, tendo Frei Henrique ao seu lado sob o olhar atento do Mestre João, bacharel em medicina, físico e astrônomo, em segundo plano, e à frente do escrivão Pero Vaz de Caminha, de pé. A pintura se divide, ao longe e acima, pela portinhola da câmara de comando da embarcação (detalhe 1) . Sobre o convés, cai em dobras a bandeirada com cruz, símbolo da marinhagem - pessoal de bordo (detalhe 2). Em primeiro plano, do lado direito e na parte inferior do mural, uma cadeira sem encosto tem apetrechos indígenas tais como, arco, flecha, instrumentos musicais e outras indumentárias. (detalhe 3)

E não é por é acaso que a exposição do primeiro documento escrito de nossa História esteja sob a guarda da Casa legislativa fluminense. Local de elaboração e guarda de documentos tão importantes de nossa História, é a Casa de onde surgem as leis. "Sem dúvida, importante representatividade, afinal aqui guardamos e preservamos documentos de igual valor, aqui se cria leis e aqui elas precisam ser resguardadas", disse o professor de História da UERJ Gilberto Catão.

Autor

O paraibano Francisco Aurélio de Figueiredo e Mello (1854 - 1916), nascido na cidade de Areia, foi pintor, caricaturista, desenhista, escultor e tornou-se conhecido principalmente como pintor de temas históricos, retratos e cenas do gênero. Suas principais telas são: Francesca da Rimini (1883) e Último baile da ilha fiscal ou A ilusão do terceiro reinado (1905), que representa o último baile da monarquia, realizado na Ilha Fiscal. Sua pintura. O primeiro capítulo da nossa história, está exposta no Palácio Tiradentes. Ainda adolescente frequentou a Academia Imperial de Belas Artes - Aiba, no Rio de Janeiro, sob a orientação de seu irmão, o também pintor Pedro Américo (1843 - 1905).

A carta

O documento foi escrito em onze dias, em Porto Seguro, na Bahia e tem 27 páginas. Segundo o professor Catão, os dias de interrupção se deram pelo fato de o escrivão ter que prestar auxílio ao capitão-mor da embarcação no sentido de organizar os últimos detalhes para a partida de uma nova frota rumo às Índias.

A mensagem foi levada a Portugal por Gaspar de Lemos, comandante do navio de mantimentos da frota. Alguns anos depois, o documento foi enviado para o Arquivo Nacional Torre do Tombo, em Portugal. Mas, com a vinda da família Real ao Brasil (1808), o diretor do arquivo, José Seabra da Silva, mandou fazer uma cópia, trazendo-a para o Brasil. A cópia foi encontrada no Arquivo da Marinha Real do Rio de Janeiro por intermédio do padre Manuel Aires de Casal, que escreveu o primeiro livro de edição brasileira, em 1817, cuja intenção foi torná-la pública. E hoje, pela internet, o documento pode ser lido na íntegra.

"Se percebe nitidamente na obra que os portugueses já haviam feito contato direto com os índios. Vimos objetos dos nativos retratados pelos artistas, inclusive, armas e adereços. Muito provavelmente objetos de troca", diz o professor Gilberto Catão.

Segundo ele, o mural é um recorte da ocidentalização com interesses mercantilistas da época, muito bem registrado na carta. Por isso, a narrativa detalhada sobre a terra produtiva, as riquezas naturais e a abundância de água, no trecho:

A terra, porém, em si, é de muito bons ares, assim frios e temperados [...] [...] querendo-a aproveitar, dar-se-à nela tudo por bem das águas

No entanto, existem vários outros documentos originais da viagem de 1500, além da carta de Vaz de Caminha, mas nenhum deles retratado como o seu. "A Carta de Mestre João, documento escrito pelo espanhol João Emeneslau, dava ciência ao rei de Portugal acerca do "descobrimento", com o diferencial que foi escrita num misto de espanhol e português," ressalta o historiador Milton Teixeira.

Segundo ele, também a carta do Piloto Anônimo, A Carta de D. Manuel a Cabral antes da viagem e dois outros documentos menores podem se juntar a esse acervo. "Há trechos interessantes, em cada um deles. Imaginem a narrativa numa carta ao el rei em que um navegante português dança com os índios e índias nus, por exemplo. Parece que todo o mundo naquela frota era analfabeto. Isso era muito comum naquela época. Até os reis eram. Daí a necessidade de escrivães na frota", destacou Teixeira.


Transcrição contemporânea de trechos da carta

Carta de Pêro Vaz de Caminha. 1 de Maio de 1500.

Senhor,

Posto que o capitão-mor desta vossa frota e assim os outros capitães escrevam a Vossa Alteza a nova do achamento desta vossa terra nova, que se ora nesta navegação achou, não deixarei também de dar disso minha conta a Vossa Alteza. [...]

Ali, encontraríeis,  galantes, pintados de preto e vermelho, e quartejados, assim pelos corpos como pelas pernas, que, certo, assim pareciam bem. Também andavam entre eles quatro ou cinco mulheres, novas, que assim nuas, não pareciam mal. Entre elas andava uma, com uma coxa, do joelho até o quadril e a nádega, toda tingida daquela tintura preta; e todo o resto da sua cor natural. [...]

Andámos por ir vendo a ribeira, a qual é de muita água e muito boa. Ao longo dela há muitas palmas não muito altas, em que há muito bons palmitos. Colhemos e comemos deles muitos.  [...]

A terra, porém, em si, é de muito bons ares, assim frios e temperados como os d'Antre Doiro e Minho, porque neste tempo d'agora assim os achávamos como os de lá. Águas são muitas, infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-à nela tudo por bem das águas que tem. [...]

Todos andam rapados até por cima das orelhas; assim mesmo de sobrancelhas e pestanas. Trazem todos as testas, de fonte a fonte, tintas de tintura preta, que parece uma fita preta da largura de dois dedos.

Encerramento na íntegra

Deste Porto Seguro, da vossa ilha da Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro dia de Maio de 1500.

Pêro Vaz de Caminha

Fonte: http://antt.dglab.gov.pt/wp-content/uploads/sites/17/2010/11/Carta-de-Pero-Vaz-de-Caminha-transcricao.pdf

Pero Vaz de Caminha faz a leitura da carta
Pedro Álvares Cabral
Frei Henrique
Mestre João, físico e médico da nau de Cabral
(detalhe 1)
(detalhe 2)
(detalhe 3)