São fatos históricos que o Palácio Tiradentes foi sede da Câmara Federal (1926-1961) e que desde a transferência da capital para Brasília abriga a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). Da mesma forma, também é de conhecimento público que o prédio foi construído onde antes existia a “cadeia velha” ou “cadeia pública”, local onde ficou preso o mártir da Inconfidência Mineira, Joaquim José da Silva Xavier - o Tiradentes, antes de sua execução, em 21 de abril de 1792.

Mas o que poucos sabem sobre o suntuoso Palácio Tiradentes, hoje no auge de seus 93 anos, é que o prédio abriga em sua fachada e na sua decoração interna, diferentes tendências artísticas, culturais e arquitetônicas. Uma mescla de estilos diferentes que formam o Ecletismo, movimento preponderante até o princípio do século XX. “Em linhas gerais, o Ecletismo no Brasil é a combinação de elementos de estilos passados que poderiam vir da arquitetura clássica, medieval, renascentista, barroca e neoclássica, entre outras. Buscava-se negar a ligação com o passado português fazendo referências a novas fontes de culturas europeias, principalmente a francesa e a italiana”, explica a arquiteta da Subdiretoria-Geral de Engenharia e Arquitetura da Alerj, Lenise Pereira.

Segundo o professor de História Gilberto Catão, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), o Palácio durante muito tempo foi considerado neoclássico. Só mais recentemente passou a ser apontado como eclético, devido à essa pluralidade de combinações. "Você tem no ‘Velho Tiradentes’ uma licença poética no âmbito arquitetônico. Era a grande preocupação da época construir um prédio vistoso e imponente por um fator: valorizar a República", disse o professor.

De acordo com Lenise, o prédio foi projetado pelos arquitetos Francisco Couchet e Arquimedes Memória, ambos fãs do estilo. “O centro das questões no Ecletismo é o simbolismo e a grandiosidade que se quer representar nos prédios públicos”, argumenta a arquiteta. Em um passeio pelo Tiradentes, por exemplo, pode-se perceber que o mosaico francês no piso do segundo e do terceiro andares são demonstrativos do estilo neoclássico de Luís XVI - predominantemente vigente na França durante o século XVIII. Esta influência está presente também nas colunas internas e de sustentação do prédio.

"Já na mobília as formas ovais e as pernas retilíneas das cadeiras têm influência de Luís XV", explica o guia do serviço de visita guiada, Douglas Libório."Esse ecletismo assinala a liberdade de escolha sobre aquilo que se julga melhor, sem o apego a um só estilo ou preceito", destaca ele.

"Os corredores desses mesmos andares, denominados "loggias", são característicos dos palácios do Renascimento (século XVII) com as janelas abertas para o exterior do prédio", lembra Libório. A sala de Divisão de Portaria (1º andar) e o salão de leitura trazem o mesmo estilo; enquanto as galerias A B e C são Luís XVI e o Salão Nobre revela marcas do Francisco I. Já os gabinetes do presidente e do vice-presidente marcam o estilo batizado como Manuelino.

O Ecletismo se revela ainda no "pontilhismo", técnica de pintura saída do movimento impressionista, que está presente nos painéis ao lado da cúpula do Plenário - cujos vitrais representam o céu do Brasil na manhã de 15 de novembro, de 1889 (data em que foi promulgada a República) e no Salão Nobre. Trata-se de pequenas manchas ou pontos de cor que, pela justaposição, provocam um efeito óptico nos olhos do observador. No Plenário, os irmãos Rodolpho (1879-1967) e Carlos Chambelland (1884-1950) pintaram os oito painéis que representam as quatro fases da formação territorial e os quatro períodos da formação nacional brasileira: Descobrimento, Colônia, Império e República. “A cúpula representa um coroamento da edificação”, afirma a arquiteta. Mesma técnica se observa no teto do Salão Nobre, de autoria de João Timótheo da Costa (1879 -1930). A pintura é composta por musas que simbolizam datas cívicas importantes ao redor da que representa a própria República.

Conheça um pouco dos principais estilos artísticos e culturais observados na construção e presentes no mobiliário do Palácio Tiradentes

Luís XVI - Considerado um dos estilos estéticos franceses de maior impacto. É influenciado pelas linhas fluidas e graciosas do rococó e pelo seu repertório de motivos ornamentais. Podemos situá-lo entre o estilo Regência, onde já dá os primeiros passos, e o estilo Luís XVI, que se caracteriza por uma maior rigidez e austeridade. Uma das primeiras características que chama a atenção em móveis do estilo Luís XVI é a matéria-prima sofisticada usada na fabricação: geralmente a nogueira ou carvalho, que são chamadas de “madeiras nobres”. Além disso, a porcelana ou mármore e os detalhes em bronze também são comuns a essa composição. Já nos elementos estofados, como cadeiras, poltronas e sofá, são encontrados desenhos inspirados na natureza e na flora.

Francisco I - É um estilo artístico, particularmente nas artes decorativas, que corresponde ao reinado de Francisco I da França (1515-1547). É o período intermediário entre o estilo Luis XII e o estilo Enrique II . Recebeu a influência do Renascimento italiano.



Manuelino - Floresceu em Portugal no final do século XV e início do século XVI, durante o reinado de rei D. Manuel, o Venturoso (1449-1521), e proliferou com diversas ramificações. Nele são observados os elementos góticos unindo - se ao arabismo, da Península Ibérica, e outros de origem náutica, como cordas e corais. Exemplo de Manuelino mais puro é a Torre de Belém, em Portugal. Aqui no Rio de Janeiro, a fachada do Real Gabinete Português de Leitura, no Centro, é uma réplica do Manuelino, datando de 1887.

Renascimento - Também conhecido como Renascimento ou Renascença, é o período de transição entre a Idade Média e a Idade Moderna, que ocorreu na Itália, e se alastrou por toda a Europa. As obras renascentistas apresentavam características comuns como o antropocentrismo: valorização das capacidades artísticas e intelectuais dos seres humanos. Os temas religiosos permanecem, mas a arte deixa de ser mística e simbólica e passa a ter inspiração profana. O artista observa a natureza; estuda anatomia, busca modelos em pessoas reais. Na arquitetura, os elementos de caráter alegóricos trazem guirlandas, ondas, gomos, florões, cálices, gotas entre outros.

Em 1993, o Palácio Tiradentes foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). “Sua conservação é de extrema importância para a história do país e de nossa cidade. As obras de restauro das fachadas e da cúpula que acabaram de ser concluídas fazem parte destas medidas de conservação”, argumenta a arquiteta.